PREFÁCIO Um pouco por toda a parte surgem os poetas, nasce a poesia!Parece acontecer expontânea, qual flor campestre, quando desabrocha na terra quente, bela e misteriosa do Algarve.Será ainda a herança árabe, que por sortilégio telúrico ou fenómeno místico, ressurge a perfumar nas rimas melódicas a atmosfera literária e estética?Se "O Descalçar das sandálias" foi título escolhido por Ibn Caci - o poeta árabe da nossa Arrifana - estamos certos que descalço terá percorrido toda a costa, envolto em albornoz banco esvoaçando à aragem da brisa e terá permanecido em imagens de sonho no vôo da nossa crença. Sua mente culta, permeável à beleza, ditou poemas!Desapareceu há muito, mas não para sempre ... porque um poeta não morre!Tornou-se mito, confundiu-se ou transmutou-se com a paisagemmarítima, com o sabor acre e tonificante da Natureza, permaneceu na solidão de um exílio forçado e concentrou em si todo o saber duma raça, toda a história de um povo, residente no Garbe...Príncipe - Mito, és a personificação da Arte Poética em nossas paragens! És a presença constante duma eterna lembrança! Em cada época, a figura renova-se no miticismo da tua espiritualidade, nas representações iconográficas dum perfeito ideal, qual símbolo sacralizando os poemas e o teu próprio ser!Pelo verbo inflamado dos teus versos, pelo contacto fisico da tua presença pisando a nossa terra, pelo tema dos poemas, pela interioridade da tua força, pensamos que simbolicamente espalhaste ao acaso nas nossas áreas territoriais, as sementes de uma arte poética!Ficaram entre nós, mas por feitiço da tua raça, só frutificam quando um forte sopro espiritual de luz, determina o "Fiat".Aljezur - talvez por essa razão - acariciada pelo hálito, pela nobreza e sentimento estético de tão excelsa personagem é terra de poetas.A insularidade em que permaneceu até aos princípios do Século XX, permitiu apenas a existência de poetas ignorados. Lançavam seus poemas ao vento, que os levava e repetia em constantes ecos. Perderam-se na imensidade do espaço das nossas montanhas e dos rochedos, na dimensão incomensurável do mar.Ouve-se um murmúrio distante...Não ficou testemunho, para além de uma pálida tradição oral, nem a certeza da grafia tornou perene o seu pensamento e a forma plástica dos temas. Existe, sim, a sinfonia longíqua... que não permite reconhecer o nome do artista, nem a expressão do seu cantar.Este panorama vem de longa data - mas passa-se após Ibn Caci...E nos ajuntamentos das fainas agrícolas nas reuniões de lazer, nas festividades das bodas e baptizados ou ainda nos costumes pitorescos, próprios da comunidade, entoavam-se ao desafio as "quadras" improvisadas, como a ocasião e o momento pedia.O conhecimento tardio, quando chegava a cançãoque fora moda, produzia a adaptação e a satiria... na alma do nosso povo. Aqueles que por disciplina de família, função social ou "tabus" de instituição, não partilhavam desses agrupamentos populares, nem por isso deixavam de rimar. Mergulhavam o espírito na poesia dos grandes, cultivavam a técnica e multiplicavam deste modo os talentos natos...- Mas, todos - afinal todos, na nossa terra eram poetas?- Não; eram poetas todos aqueles em que o sabor do verso se associava ao ritmo da música e a inspiração do tema fornecia o encanto próprio para a harmonia do poema...
No presente, aparece-nos Carolina do Vale, nascida em Aljezur, com a "Madrugada" dos seus poemas."Madrugada" é apenas a punjança do seu alvorecer. A luz da manhã projectara-se já, em respigos na Imprensa, numa revista nacional e em Jogos Florais. Iluminara as páginas impressas e aliciara o pensamento dos leitores; as críticas foram construtivas e favoráveis.Agora, surge dourando de luz as suas rimas no deslumbramento do sonho, da fantasia, da sua terra e do seu amor!O efeito da paisagem serrana ainda que tonificada pelo mar, está patente no apelido do pseudónimo que escolhe - do Vale - o nome próprio tem a conotação familiar. É apenas o incosciente do império telúrico e da herança de sangue. Talvez por isso, nesta feliz madrugada, são seus primeiros objectivos - a Terra Natal e a Família.Quando fala da terra, identifica-se com ela numa simbiose de amor e verdade:..."Como tu, nasci nas fraldas da serra, E as marés azuis nos beijaram os pés!..."...Mas o histórico Castelo, a arquitectura do casario, o manto de luar cobrindo a vila adormecida, não são esquecidos. Das praias, como que numa saudação dum incosciente colectivo, em homenagem ao Poeta - Árabe, lembra apenas a Arrifana.Quando a família é tema, faz-nos viver os entes que são mais queridos e a doçura de ser mãe...."Filho do meu ventre, pedaço de mim!!! Gosto de sentir perto o teu olhar, Flor que sendo única, tu és um jardim"Sente a unidade da pluralidade. Não há flor, mas jardim.Vive a chorar e o querer, a alegria de viver e o duro pungir do sofrer...."e formem alicerces, aos ventos das Nortadas sobrevoem os montes, de redondos cumes, e firam ao rubro o coração das pedras"...Quando clama os estados em que a sua alma vive, extravasa numa sucessão de imagens plásticas, pinceladas coloridas pelo uso das palavras, em ritmo fonético, com o animismo das formas. O compasso musical determina a súplica ou o agradecimento e o concreto sintoniza com o irreal/sonhado.Abraçam-se pensamentos, interpelam-se ideias e o abstracto adquire forma. A ambiguidade surge num tempo presente que abrange também o passado e o futuro, partilhando-se a ilusão com a realidade.Merecem-lhe atenções especiais:- a criança..."Há nos teus olhos dois, milhares de Universos, à espera d'uma palavra que se chama Amor"...- e, a mulher..."Que trazes nas mãos as madrugadas, e um livro de promessas por abrir; em teu rosto o amor, ternas baladas, que em forma dos teus filhos vão surgir!......"Oh mar de mil marés, divino canto. Mulher que amparo e luz sempre professas. a vida amarga e dura é o teu pranto!!...A mulher que se perdeu; a mulher paciente, doação e amor; aquela que é mãe - em suma a mulher, no sentido universal, longe das questões rácicas, políticas ou religiosas.Por último, na sucessão dos seus poemas, aparecem nas suas rimas, os temas diversos que a inspiram: a vida, o tempo, o cansaço, o amor, a realidade e também o sagrado universal. Neste, o Natal, aflora com a promessa da Paz na Natureza terrena e humana:..."Como é destra a forma da mãe Natureza, que empresta à frieza, calor de Natal"...
..."os homens se abraçam sepultando o mal, as armas depõem, o tempo é Natal. E a terra que branca fica de repente; DA COR DA VERDADE, D'UM AZUL LILÁS, já neve não cai, finda a dor presente a trombeta entoa seu hino de paz"...Em face de todo o conjunto poético agora apresenatdo, como temos vindo a referir, determinou-se a sua divisão em seis grupos de poemas segundo a temática focada.A unidade das composições é uma constante que se verifica no deserolar da leitura.Antecedeu-se cada grupo temático de um pequeníssimo poema, elaborado pela autora e com esse fim, como prelúdio do próprio tema.É uma maneira poética de excelente e agradável apresentação. Em último lugar e dada a diversidade de temas, definiu-se essa mesma variedade, em um mar de tempo e de saudade, irmanado no binómio da ilusão e da verdade.Deste modo foi surgindo a composição e elaboração do alvor desta "Madrugada".Convém, porém, salientar dois aspectos:1 - Ser uma publicação/colectânea, que procurou nortear-se pelos parâmetros de honestidade, desde a escolha e seriação dos temas, até à disposição estética, respeitando-se o gosto e a preferência de outrora.2 - Constituir mais uma edição da Câmara Municipal de Aljezur, demonstrando deste modo o alargamento do seu plano cultural com o respeito e o apreço pelos valores dos seus conterrâneos.Apontadas ambas as razões, resta-nos agradecer a Carolina do Vale, a atenção/pedido deste Prefácio, que elaboramos com carinho e satisfação.Felicitamos a Autora.Louvamos a Poesia, que continua a ser, desde o passado até aos nossos dias, a mais salutar das expressões artísticas para perpepcionar o mundo, no contexto do qual nos inserimos e vivemos. Lisboa, Julho de 1988
Emmanuel Correia
FICHA TÉCNICA:Título: Madrugada Edição: Câmara Municipal de Aljezur - 1988 Composição e Impressão: Gráfica Ideal de Cacilhas, Lda Dep. Legal: 23 533/88